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Resumo

Este artigo busca examinar alguns dos principais fatores que influenciam no desempenho do planejamento da cadeia de suprimentos em indústrias de pequeno e médio porte, localizadas na RMC ? Região Metropolitana de Campinas, SP. A pesquisa se esforça ainda para expor o grau de percepção sob o ponto de vista das empresas participantes com este porte no âmbito da cadeia de suprimentos, relacionando os impactos vivenciados na prática, e seus níveis relativos de importância, através de entrevistas previamente estruturadas. Contribuindo assim, com a identificação dos principais problemas em termos de alinhamento e integração, para estreitar a distância atual entre a teoria e prática. Para isso são estudadas quatro dimensões: S&OP, Gerenciamento colaborativo de materiais, PCP e Gestão de riscos na cadeia de suprimentos.

 

1. Introdução

Os consumidores estão cada dia mais conectados, inteligentes e exigentes, contudo, a evolução das coisas e a competitividade mundial seguem forçando empresas a buscar excelência na cadeia de valor, a reduzir custos e aumentar simultaneamente o nível de serviço para sobreviver perante essa competição, especialmente em períodos de forte crise econômica como enfrentamos nos últimos anos.

 

De acordo com Oliva e Watson (2011) pg. 434, o planejamento da cadeia de suprimentos caracterizou-se na literatura como estrutura, processo, sistema ou método para coordenar e sincronizar as atividades voltadas para o fornecimento e a demanda para gerar valor da cadeia de suprimentos através da colaboração organizacional. Porém, o resultado de tais esforços para integrar demanda e oferta através de planejamento ficou aquém das expectativas, expondo uma lacuna entre a promessa e a prática (ALFTAN ET AL., 2015; TATE ET AL., 2015).

 

As literaturas enfatizam o planejamento da cadeia de suprimentos como um fator crucial para que as empresas consigam integrar as atividades de suprimentos, processos produtivos e clientes de forma eficaz na prática e consequentemente alcançarem os objetivos empresariais.

 

Um número crescente de empresas está introduzindo a função da cadeia de suprimentos em suas organizações como uma resposta aos desafios enfrentados em seus ambientes de negócios atuais (LOCKAMY, 2014).

 

Porém, as pequenas e médias empresas (PME) de manufatura são entidades claramente diferentes do que seus parceiros maiores (Rahimifard e Newman, 2001). No Brasil, temos 5,7 milhões de pequenas e médias empresas, que representam 99% do total, e cerca de 9 mil grandes empresas. As PMEs são responsáveis por cerca de 57 milhões de empregos, 60% dos postos de trabalho brasileiros (London, 2013) e, embora as cadeias de suprimentos possam ser dominadas por grandes organizações que dependem de uma série de PM empresas.

 

Enquanto as PME têm um forte foco nas exigências dos mercados que elas servem, por razões financeiras, esse foco tende a ser direcionado na maximização das oportunidades de vendas em curto prazo em vez de otimizarem o desempenho da cadeia de suprimentos a longo prazo (MEZGAR ET AL., 2000).

 

Contudo, a sobrevivência das PME individuais depende da sua capacidade de desenvolver sistemas internos de controle empresarial, que estão alinhados com as necessidades mais amplas de seus clientes e da cadeia de abastecimento do que ser meramente focado em produzir o próximo pedido (TARN ET AL., 2002).

 

Segundo Jonsson e Holmström (2016), a literatura esclarece o problema geral que os diferentes tipos de planejamento da cadeia de suprimentos são projetados para resolver, mas não especifica como configurar uma solução ou o que esperar da implementação em um contexto específico.

 

Portanto, este estudo tem como objetivo avaliar a percepção de influência das quatro dimensões no planejamento avançado da cadeia de suprimentos e verificar a presença em algumas indústrias brasileiras de pequeno e médio porte situadas na região metropolitana de Campinas/SP, caracterizadas com até 499 funcionários segundo o SEBRAE (2006), visando contribuir para a evolução e crescimento das mesmas. As quatro dimensões são: planejamento de vendas e operações (S&OP), gerenciamento colaborativo de materiais, planejamento e controle da produção (PCP) e gestão de riscos na cadeia de suprimentos.

 

2. As dimensões exploradas

O Planejamento de vendas e operações (S&OP) dá suporte a obtenção de resultados a médio e longo prazo com atuações interfuncionais, visando balancear a demanda e os planos de suprimentos. Porém, pouco se sabe sobre como a complexidade da cadeia de suprimentos, cultura e os modelos de negócios afetam os níveis de maturidade de S&OP adequados (Ivert e Jonsson, 2014; Tavares Thomé et al., 2012, 2014a, b).

 

O gerenciamento colaborativo de materiais atua no planejamento de abastecimento de estoques ao longo da cadeia, através do compartilhamento de informações compartilhadas entre os elos da cadeia. No entanto, ainda não é possível uma compreensão completa de como configurar e o que esperar do gerenciamento colaborativo em diferentes contextos, apesar de reconhecer o problema (Holweg et al., 2005; Dong et al., 2007; Danese, 2011; Jonsson e Mattsson, 2013; Xu et al., 2015).

 

O planejamento e controle da produção (PCP) têm como foco facilitar as práticas de planejamento e controle, integrando setores e centros produtivos de modo a estarem balanceados com a demanda, e principalmente alinhados com a estratégia competitiva da empresa. Porém, a literatura não questiona se ou como esses tipos de intervenções são práticas em níveis mais baixos de integração vertical (Kouvelis et al., 2006; Pibernik e Sucky, 2007; Rudberg e Thulin, 2008; Jonsson et al., 2013).

 

A gestão de riscos na cadeia de suprimentos envolve identificar e controlar, prevenir e mitigar as vulnerabilidades dos riscos internos e externos que possam afetar o desempenho de uma cadeia de suprimentos. Para Lockamy III (2014) é impossível garantir que a gestão de riscos cesse todos os problemas possíveis de fornecimento. Porém, embora muitas vezes não seja possível prever com precisão quando tais eventos ocorrerão, é possível avaliar a probabilidade de ocorrência por meio do desenvolvimento de perfis de risco. Portanto, é imperativo que as organizações tenham a capacidade de analisar o grau de risco associado aos fornecedores que compõem sua cadeia de suprimentos.

 

Este estudo pretende responder a seguinte questão:

Qual a percepção do grau de importância das indústrias de pequeno e médio porte sobre o papel de quatro importantes atividades relacionadas ao planejamento da cadeia de suprimentos?

 

3. Metodologia

O artigo segue um modelo qualitativo baseado em entrevistas como um método de coleta de dados (Yin, 2009). De acordo com as observações de Qu e Dumay (2011), as entrevistas são um dos mais importantes métodos de coleta de dados qualitativos, pois fornecem uma maneira útil para os pesquisadores compreenderem sobre o mundo dos outros. Assim, a metodologia é consistente com a natureza da questão que define o âmbito de investigação em termos de obtenção da percepção do grau de importância das indústrias Brasileiras de pequeno e médio porte sobre o papel de importantes atividades relacionadas ao planejamento da cadeia de suprimentos na prática. Os autores se concentraram na consulta de vários participantes, em diferentes setores de atuação, como: componentes plásticos, máquinas e equipamentos, vedações, vestuário e fármaco veterinário.

 

4. Discussão de Resultados

A percepção dos participantes sobre as dimensões abordadas é apresentada nesta seção, relacionando as respostas similares através de palavras-chaves de cada uma das atividades.

 

4.1. Planejamento de vendas e operações (S&OP)

Um fator fundamental para as empresas obterem um planejamento de vendas e operações eficiente refere-se a sua força de trabalho, que deve estar incluída no processo de decisão, incluindo a alta direção, que normalmente não está sensibilizada a respeito da importância desta dimensão. Por exemplo, o pleno conhecimento e entendimento de todos os envolvidos sobre a importância do planejamento e execução das atividades de produção, logística e consequente atendimento dos pedidos é fundamental para obter maturidade no S&OP, sendo isso uma difícil tarefa em PME, devido o investimento limitado em capital humano. A estrutura e cultura organizacional se destaca pela baixa cooperação funcional das áreas.

 

Os setores de marketing, comercial, operações, logística e finanças devem estar alinhados e dedicados a este processo, caracterizado por reuniões e revisões periódicas que  visa gerar planos de vendas, produção, finanças e de introdução de novos produtos, que sejam realistas, viáveis e coerentes uns com os outros e também com os objetivos estratégicos da organização, e procura identificar um horizonte futuro ao menos de médio e longo prazo, caso contrário a empresa pode sofrer grandes impactos internos como superdimensionamento dos estoques, ou até mesmo em agentes externos como fornecedores e clientes, podendo ter grandes perdas financeiras e share, e inclusive inviabilizar o negócio.

 

O investimento em tecnologia é mais um fator importante para o sucesso, por exemplo, alguns participantes ainda não possuíam um sistema (ERP) integrado e em algumas empresas encontraram-se em fase de implantação, o que transforma em uma grande dificuldade para obter um S&OP maduro.

 

Também deve-se reconhecer a importância de se esforçar para melhorar o processo de previsão de demanda. A maioria dos participantes reforçam sobre a previsão de vendas para um perfeito funcionamento do sistema produtivo, por ser o ponto de partida na cadeia de abastecimento para que as atividades necessárias aos processos industriais sejam adequadamente programadas. Tais previsões são insumos fundamentais para o planejamento da produção e imprescindível para obter êxito no planejamento da cadeia de suprimentos. E complementam que a dificuldade para aprimorar o processo de previsão é justamente a falta de interesse e entendimento da complexidade dos impactos gerados na cadeia, principalmente por parte do departamento comercial.

 

Assim, as empresas devem considerar esses aspectos como uma oportunidade importante para aperfeiçoarem o desenvolvimento de produtos, processos de produtivos e atendimento ao cliente, priorizando a inovação para criar personalizações adequadas, não mais uma produção em massa.

 

4.2. Gerenciamento colaborativo de materiais

De acordo com a realidade analisada junto aos participantes, o fator tecnologia é determinante, junto com a necessidade de aprimorar o conhecimento dos profissionais inseridos no contexto do processo de colaboração efetiva entre fornecedores e clientes. Por exemplo, inúmeros participantes frisam que muitos dos seus fornecedores e clientes não têm um sistema ERP para trabalhar em sinergia com a empresa, com isso tem muita dificuldade em conseguir atender todos os pedidos dentro dos prazos programados, forçando-os a elevar seus níveis de estoques. Além das limitações devido à sobrecarga de trabalho de compradores em alguns casos, e ainda outro ponto relevante é que muitos não possuem conhecimento efetivo sobre as práticas de gerenciamento colaborativo de materiais, por exemplo, o programa de planejamento colaborativo, previsão e reabastecimento (CPFR) e inventário gerenciado pelo fornecedor (VMI).

 

A sazonalidade do mercado e a falta de informação da demanda também são apontadas como dificuldade, que impactam significativamente na cadeia de suprimentos. Em especial os participantes do ramo de utilidades plásticas destacaram as muitas variações na demanda, que tornam difícil a previsão mesmo utilizando métodos mais sofisticados. Isso acaba dificultando um acordo entre a empresa e seus fornecedores, porque muitos são escolhidos por serem os mais ?baratos? ou estarem mais próximos da empresa, e não possuem altos níveis de flexibilidade e agilidade.

 

Mais de 50% dos participantes da pesquisa confirmam que um fator crítico para se obter um relacionamento colaborativo é a compreensão e interesse em desenvolver um trabalho integrado entre os agentes dos elos das cadeias produtivas, com troca de informações, divulgação de ações e processos relativos ao equilíbrio do atendimento ao cliente, que se torna muito difícil, devido muitas vezes à falta de confiança entre as partes.

 

Cerca de 40% dos participantes apontam ainda a necessidade de amadurecimento para desenvolver uma relação ?ganha-ganha?, enaltecendo que as informações devem ser trocadas e alinhadas constantemente, bem como a participação ativa nos planejamentos de forma a minimizar os riscos para ambos os lados. Entre as dificuldades está o trabalho de avaliação e desenvolvimento do fornecedor para garantir a qualidade do produto, entregas, capacidade de produção e até mesmo compreender sua capacidade financeira para prevenir contra resultados indesejados.

 

4.3. Planejamento e controle da produção (PCP)

A pesquisa evidencia que um fator determinante para uma boa gestão da capacidade financeira das PMEs é a coordenação eficaz de suas atividades de planejamento e controle de produção, de modo a tornar os processos ágeis e flexíveis, visando não sofrer com atrasos ou custos elevados.  Isso torna possível aumentar a maturidade dos profissionais para alinhar estratégias no alcance das ações, evitando a definição de objetivos individuais dos processos internos. Por exemplo, PMEs ainda relacionam a grande variedade no volume do portfolio de produtos vendidos e a antecipação de faturamento de pedidos (fura fila) frequentes como as principais dificuldades de assegurar o sequenciamento planejado, impactando em rupturas nos processos operacionais ou em altos níveis de estoque sobre vários produtos diferentes.

 

Cerca de 20% dos participantes enfatizam que as dificuldades em obter flexibilidade e agilidade no planejamento se dão por não existir uma área exclusiva de engenharia de processos. Nesses casos, fica a cargo do PCP reunir os responsáveis de cada área para discutir e analisar o desenho de cada projeto, principalmente nas empresas que trabalham com produção sob encomenda e lead time elevados, porque cada projeto possui suas particularidades e especificações. Os custos operacionais recebem os impactos dessas dificuldades, porque normalmente se faz necessário trabalhar com horas extras para atender prazos esperados pelos clientes.

 

As formas de gestão e planejamento da produção convencional tornam difícil a sobrevivência das PMEs no mercado, que se encontram cada dia mais competitivo e exigente em qualidade, custo e atendimento. Isto faz com que essas empresas recorram às práticas do pensamento enxuto de gestão para manter-se competitivas perante seus concorrentes, como um ?divisor de águas?. Para essas empresas a habilidade para reduzir desperdícios e implantar a filosofia da produção JIT permite melhorias em flexibilidade, agilidade e redução de custos através da simplicidade nos processos.

 

Os relacionamentos internos também são apontados como um fator importante. Como administrar informações que envolvem diversas áreas, o PCP precisa estar em negociações constantes com muitas áreas que possuem interesses divergentes.

 

Assim, o planejamento de produção é destacado como uma atividade crucial para obtenção de baixos custos e consequente sobrevivência das PMEs. O PCP identifica como as operações produtivas estão mais integradas com os clientes, porque trabalham com informações desagregadas, em determinado nível, para atender as necessidades de demanda. Foram mencionadas necessidades de uma comunicação efetiva, conduzindo para uma produção inteligente, integrando pessoas, processos e projetos, visando à criação de produtos inteligentes e flexíveis. Recomenda-se pensar em uma produção lucrativa em função de produtos menos complexos e com baixos custos operacionais.

 

4.4. Gerenciamento de risco

Na gestão riscos é necessário que haja um entendimento adequado sobre os processos, atividades, relacionamentos, fatores internos e externos e consequente visibilidade antecipada dos pontos de vulnerabilidade, por fim a elaboração de planos antecipando as ações para mitigar riscos é fundamental.

 

A volatilidade e dinamismo de alguns mercados também são citados como fatores de dificuldade.  Mais de 60% das empresas participantes indicam a instabilidade política e incertezas da economia como principais fatores para aumento da exposição das PME ao risco.

 

Os riscos se ampliam com a oferta de produtos ou fornecedores únicos, com baixa qualidade, confiabilidade e flexibilidade de entrega, ou ainda retentores de informações que inviabilizam o desenvolvimento de novos parceiros, volatilidades na demanda, falta ou imprecisão de informações.

 

A deficiência de acompanhamento efetivo das operações é também atribuída à falta de um software integrado, para pelo menos 10% dos participantes, sendo avaliado como um fator de grande dificuldade para gerenciar riscos, porque, com isso, as empresas ficam vulneráveis as incertezas de informações a todo tempo. Para esses casos, os impactos são grandes sempre que ocorre uma variação da demanda, ou de problemas decorrentes de falhas nos processos produtivos ou logísticos.

 

5. Considerações Finais

O resultado demonstra que há um balanceamento na percepção do nível de importância para o planejamento da cadeia de suprimentos, destacando-se o planejamento de vendas e operações (S&OP) e o planejamento e controle da produção (PCP), conforme apresentado na figura 1.

 

Figura 1 ? Percepção de influência sobre resultados das PME

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 Fonte: Autoria própria (2020)

 

Conclui-se que há dois pontos fundamentais ao almejar a excelência no planejamento da cadeia de suprimentos em PMEs industriais. O primeiro é conseguir uma coordenação eficaz das atividades de planejamento e controle de produção, tornando os processos ágeis e flexíveis, com estoques enxutos. O segundo é desenvolver a maturidade de pessoal em nível de alinhamento das estratégias com as ações no âmbito da cadeia de suprimentos. Os principais fatores que contribuem para isso são: a quebra de paradigma de culturas ?familiares? de gestão, investimento em capital humano, sistemas de incentivo por mérito profissional, processos centrais e tecnologia.

 Uma vez estruturada a organização, é necessário estreitar os elos de confiança entre os parceiros comerciais, desenvolver fornecedores também flexíveis e ágeis, mensurar e mitigar a vulnerabilidade e exposição aos riscos, através de trocas de informações colaborativas e inteligentes, como por exemplo, gerenciar o estoque dos principais clientes, aumentando assim a rentabilidade de toda cadeia.